Texto prevê etapa estruturada em módulos e flexibilização de disciplinas
O governo preparou o texto de uma Medida Provisória (MP) para reformar o ensino médio, segmento que representa, hoje, um dos maiores desafios da educação nacional. A proposta, que deve ser anunciada nesta quinta, compreende, entre outras mudanças, o fatiamento dessa etapa escolar, criando um sistema modular, que permitirá ao aluno obter certificados parciais. Ao fim de cada semestre letivo, o estudante poderá trancar matrícula, com retirada do comprovante de conclusão até aquele ponto, a partir do qual poderá retomar os estudos posteriormente.
objetivo é dinamizar essa etapa do ensino básico, marcada pelas altas taxas de evasão de alunos (há 1,7 milhão de adolescentes de 15 a 17 anos fora das salas de aula) e pelos baixos índices de rendimento escolar. A educação profissionalizante estará incluída no ensino médio como parte complementar às matérias obrigatórias. O novo sistema deve funcionar com 50% da carga curricular obrigatória e comum nacionalmente, que deve ser definida pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), atualmente em discussão, e os outros 50% incluirão disciplinas extras como um “aprofundamento da formação”.
Ficará a cargo dos sistemas estaduais, que respondem por 97% das matrículas do ensino médio público do país, definir quais disciplinas deverão ser ofertadas na metade “aberta” do currículo nas seguintes áreas: linguagem; matemática; ciências sociais e humanas; ciências da natureza e formação técnica profissionalizante.
A ideia de flexibilizar o formato do ensino — dando às redes locais independência para alinhar as expectativas do aluno com o conteúdo a ser ministrado, dentro de parâmetros gerais — está no cerne da proposta do governo. O objetivo é fazer da escola um local mais atraente, enxugando disciplinas excessivamente detalhadas e evitando repetir matérias que o estudante já domina. Assim, alunos que já têm proficiência em inglês ou informática, por exemplo, poderão ser liberados das disciplinas ou pular para turmas mais avançadas.
No campo da língua estrangeira, o idioma de matrícula obrigatória será o inglês. E cai a regra atual de ter o espanhol como segunda língua estrangeira, optativa para os alunos mas de oferta obrigatória para a rede de ensino. O texto da MP apontará apenas que se dê preferência ao espanhol como segundo idioma estrangeiro a ser ensinado.
Acúmulo de disciplinas
Um ponto em discussão é se a MP deve prever que um professor concursado em uma disciplina poderá acumular, junto com o ensino dessa matéria, outra que seja correlata e para a qual não haja docente disponível — bastando, para isso, ter “notório saber” do tema. A regra é polêmica. De um lado, pode corrigir distorções como professores lecionando disciplinas de áreas completamente diferentes daquela em que se formaram. De outro, o mecanismo legal pode acabar institucionalizando a prática de não garantir professores com formação adequada, problema grave no ensino médio, sobretudo em matérias como física, sociologia e filosofia.
A medida provisória também poderá prever a oferta de programas, como os de educação em tempo integral, que vão alterar o cálculo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Professores da Educação (Fundeb), canal de distribuição de recursos que se baseia no número de matrículas. O governo quer apostar na ampliação da jornada escolar para tirar o ensino médio da estagnação verificada desde 2011, com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) paralisado em 3,7 pontos, longe da meta de 4,3 pontos projetada para 2015.
Ao divulgar os números, no início deste mês, o ministro da Educação, Mendonça Filho, anunciou que solicitaria ao presidente Michel Temer a edição de uma MP para agilizar a reforma do ensino médio. Dentro do governo houve um debate em torno do formato mais adequado dessa reestruturação. O Planalto defendia que a matéria fosse apresentada ao Congresso como projeto de lei do Executivo ou que se aproveitasse uma proposta que já tramita na Câmara sobre o tema. Mas, segundo interlocutores do presidente, Mendonça Filho pressionou para que o texto elaborado por sua equipe técnica embasasse a reforma. E que isso fosse feito de forma emergencial. Por esse motivo, teria que ser via MP, que já passa a valer imediatamente após a sua publicação, embora o Congresso tenha que aprová-la para que se torne lei.
A ideia do governo é que as novas regras já passem a valer no ano que vem. O MEC também conta com a MP para elaborar a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio.
FOCO NAS HABILIDADES
Especialistas avaliaram de maneira positiva a tentativa de reformulação e acreditam que o conjunto de medidas permite ao aluno direcionar melhor os estudos, de acordo com suas habilidades e interesses.
— O Brasil precisa parar de tentar inventar a roda. Precisa ir na direção de ter um núcleo comum e trajetórias flexíveis, tanto acadêmicas quanto profissionalizantes. Essas mudanças vão em uma boa direção. A ideia de o ensino profissionalizante ser complementar faz todo sentido dentro do que temos acumulado em relação à transformação da etapa — afirma Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco. — Aumenta a chance de engajamento e mobilização dos jovens e facilita a gestão das escolas, que poderão distribuir melhor seus professores.
Já Priscila Cruz, presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, avalia que, ao alterar a estrutura do ensino médio de anos para módulos, é preciso ter cuidado para evitar um aumento na evasão:
— Hoje temos 13 disciplinas obrigatórias distribuídas e o resultado é que o aluno aprende quase nada sobre um monte de coisa. É importante que o aluno já comece a exercitar suas vocações no ensino médio — acredita. — Se o modelo não vier acompanhado de um sistema que estimule o aluno a ir até o final, a evasão pode aumentar. O aluno acha que vai voltar e às vezes não volta. Tem que ter mecanismos para desestimular o trancamento, e que incentivem o aluno terminar na idade certa.
Por: CATARINA ALENCASTRO / RENATA MARIZ
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